Déficit de pessoal é gargalo na defesa agropecuária

Déficit de pessoal é gargalo na defesa agropecuária

Carreira de fiscal do segmento no Estado do Rio Grande do Sul convive com a falta de servidores há mais de uma 
década, o que reduz celeridade das ações de vigilância e obriga o estabelecimento de prioridades a serem atendidas

Por
Nereida Vergara

O serviço de fiscalização sanitária do Rio Grande do Sul tem um papel tão importante na regulação social que dificulta aos cidadãos comuns entender sua plenitude. Os fiscais agropecuários da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) são responsáveis pelo cumprimento de uma infinidade de ações que determinam desde a tranquilidade do consumidor na aquisição de alimentos, passam pelo controle de doenças de animais e vegetais, e chegam à preservação do equilíbrio ambiental por meio da contenção de danos trazida pelo uso irresponsável de substâncias e insumos. Este batalhão silencioso, hoje, é composto por cerca de 300 veterinários e 70 agrônomos, que, juntos, realizaram, apenas em 2022, mais de 20 mil fiscalização em todo o Estado. Tais servidores lidam, há pelo menos uma década, com limitações estruturais para a realização de suas atividades e com uma desvalorização salarial, estimada pela entidade que representa a categoria, a Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro/RS), que beira os 40% em relação a 2016.

O vice-presidente da Afagro, Aleverson da Silva Barcelos, aponta que, para o quadro da carreira no Estado ficar completo, faltam 88 servidores, entre agrônomos e veterinários. No ano passado, o governo do Rio Grande do Sul nomeou cerca de trinta fiscais concursados, o que diminuiu a carência para um pouco menos de 60 servidores. No entanto, Barcelos revela que parte destes servidores já se exoneraram, atraídos por oportunidades onde a remuneração é melhor e onde as condições de trabalho são mais interessantes. "Historicamente, as nossas posições de fronteira são as mais difíceis de manter os servidores, pela própria característica do trabalho. E elas são fundamentais", enfatiza, lembrando que a última seleção para a carreira atraiu candidatos muito jovens, com perfil "concurseiro" e que, em alguns casos, decidiram assumir outras funções.

Um componente determinante, na opinião do dirigente, é justamente a desvalorização salarial do cargo de fiscal agropecuário. Aleverson Barcelos diz que a única reposição salarial que a categoria recebeu nos últimos sete anos ocorreu no ano passado, quando o índice de 6% por cento foi concedido pelo governador Eduardo Leite a todo o quadro funcional do Executivo. "Para se ter uma ideia, o salário líquido de um fiscal agropecuário em 2016 era de R$ 8,4 mil. Hoje, está em torno de R$ 6 mil", comenta, com base em estimativa feira pela associação. Barcelos ressalta também que a reestruturação das inspetorias feita pela Secretaria da Agricultura, em 2020, aglutinando regionais e criando postos em prefeituras, trouxe alguns problemas. "Há regiões em que temos colegas responsáveis por até nove municípios, com atividades de campo, para conseguir atender os convênios municipais, gerando uma sobrecarga evidente", completa.

Contingente de pessoal precisa ser dividido entre os 497 municípios gaúchos, o que gera sobrecarga em algumas regiões, em especial pela falta de servidores administrativos | Foto: Fernando Dias/Seapdr / Divulgação / CP.

Vinícius Grasselli, fiscal agropecuário do Departamento de Defesa Vegetal (DDV) da secretaria, em Bento Gonçalves, ressalta que hoje o DDV tem 72 servidores da carreira para atender a demanda de 497 municípios gaúchos, em ações como a vigilância de pragas (gafanhotos e cigarrinha do milho, por exemplo), inspeção de produtos de origem vegetal, comércio e uso de agrotóxicos. Grasselli diz que todas as atividades são feitas, mas algumas, pelo volume de ações e pela demanda burocrática que geram as autuação, acaba retirando tarefas da lista de prioridades, como a fiscalização de uvas, vinhos e sucos; o controle de uso de insumos e do nível de resíduos em alimentos. "Temos trabalho para pelo menos 100 engenheiros agrônomos, 28 a mais que o quadro atual", contabiliza.

O diretor do Departamento de Defesa Vegetal, Ricardo Felicetti, faz questão de frisar que a falta de fiscais agropecuários é estrutural e se estende há quase uma década. O último concurso, observa, serviu para cobrir aposentadorias, mas não chegou a completar o quadro para qual as demandas são muitas. "São cerca de 70 fiscais para todo o Estado e sempre vai faltar, sempre vai haver regiões a descoberto", reconhece Felicetti. O departamento teve 15 servidores nomeados no último concurso, alguns que já se exoneraram. Somente na fronteira, 14 fiscais atuam permanentemente, em ações de polícia administrativa, combate ao contrabando e à entrada de pragas. Muitas destas ações geram demandas burocráticas que torna as atividades menos céleres do que deveriam ser. “Isso ocorre em razão da falta de servidores administrativos nas inspetorias municipais, que deveriam dar o suporte administrativo e burocrático para que o fiscal posse ficar livre para ir a campo”, diz ele. Mesmo assim, entre janeiro de 2022 e este mês de 2022, os fiscais da área vegetal concluíram 3.558 ações de vigilância, compreendendo a fiscalização e monitoramento de pragas agrícolas, comércio e uso de agrotóxicos, sementes e mudas e inspeção de produtos de origem vegetal. 

Quando assumiu o cargo no início de janeiro, o secretário da Agricultura, Giovani Feltes, disse que as informações recebidas da gestão anterior são de que o quadro de fiscais agropecuários não é o de maior preocupação na casa. Garantiu, entretanto, que sua disposição é de ter um bom diálogo com a categoria, que, assim como as demais da secretaria, deve ser valorizada. 

Vigilância à aftosa exige atendimento pleno

Com 36 servidores mobilizados em 12 equipes, o Programa Sentinela, que atua nas fronteiras com o Uruguai e Argentina para conter o contrabando de animais vacinados, recruta os participantes em todo o Rio Grande do Sul 

Entre as muitas atribuições dos fiscais da Secretaria de Agricultura que atuam na Defesa Vegetal, está o controle de pragas que atingem as plantações do Rio Grande do Sul, como o grenning, característico dos pomares de frutas cítricas | Foto: Fernando Dias/ Seapdr / Divulgação / CP. 

O fiscal agropecuário Francisco Lopes, coordenador do Programa Sentinela e chefe da Divisão de Controle e Informações Sanitárias Animal da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável assegura que a vigilância das fronteiras do Rio Grande do Sul com Uruguai e Argentina tem sido realizada de acordo com as metas estabelecidas para manutenção do status gaúcho de zona livre de febre aftosa sem vacinação. Um total de 36 servidores, divididos em 12 equipes, cada uma com dois veterinários e um técnico, está mobilizado em patrulhar os limites com os dois países vizinhos no sentido de impedir a entrada de bovinos com status inferior ao do Estado. O programa trabalha em quatro blocos, sendo que o quarto, que engloba a fronteira de São Nicolau a Derrubadas, é o que mais exige atenção pela possibilidade de contrabando de gado vacinado. Lopes explica que a entrada de gado vacinado no Estado é permitida apenas quando os animais vão direto para o abate ou para fazendas de espera de rebanhos destinados à exportação.

A eficiência do Programa Sentinela, admite Francisco Lopes, não deixa de ter reflexos no serviço de vigilância sanitária como um todo. “As equipes são formadas com servidores de todo o Estado, que se revezam conforme nosso calendário de atividades. Com isso, há municípios que cedem o seu único veterinário e no período que ele está servindo ao sentinela, ficam sem e com um trabalho residual para o fiscal quando voltar a seu posto”, comenta. 

Ele também gerencia o Programa Guaritas, que atua nos postos de divisa com estado de Santa Catarina, em Torres, Vacaria, Barracão, Marcelino Ramos, Nonoai e Iraí. “Nestes postos temos realmente dificuldades de alocar servidores. Por isso, estamos encaminhando um acordo com a fiscalização catarinense para que nos cedam pessoal”, diz, esclarecendo que Santa Catarina tem mais servidores, mas que a estrutura dos postos de divisa gaúchos é melhor, o que torna o acordo vantajoso para os dois estados.

A diretora do Departamento de Vigilância e Defesa Sanitária Animal da secretaria, Rosane Collares, reforça que o número de fiscais agropecuários no Rio Grande do Sul está dentro do satisfatório na área animal, mas que é fundamental a manutenção de um quadro administrativo que de suporte às atividades das inspetorias. “Essa carência é maior que a de fiscais, do pessoal que atende no balcão, liberando os fiscais e técnicos agrícolas para atividades de vigilância”, conclui.

Atuação da defesa vegetal

  • 3.558 ações de vigilância, compreendendo a fiscalização e monitoramento de pragas agrícolas, comércio e uso de agrotóxicos, sementes e mudas e inspeção de produtos de origem vegetal. 

Dados de 1º de janeiro de 2022 a 20 de janeiro de 2023
Fonte: Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação

Atuação da defesa animal

  • 17 mil fiscalizações em propriedades
  • 1.531 barreiras executadas
  • 767 mil bovídeos fiscalizados
  • 103 mil pequenos ruminantes fiscalizados
  • 1 milhão de suínos fiscalizados
  • 5,9 milhões de toneladas de produtos alimentícios inspecionados
  • 109 focos de raiva herbívora identificados
  • 149 focos de Anemia Infecciosa em Equinos identificados
  • 56 casos de mormo
  • 37 ocorrências na apicultura


Dados de 1 de janeiro de 2022 a 20 de janeiro de 2023
Fonte: Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação

Programa sentinela

  • 65.699 bovinos fiscalizados
  • R$ 3,74 milhões em multas aplicadas
  • R$ 5,59 milhões em prejuízos aos infratores
  • 875 autuações
  • 583 bovinos abatidos
  • 736 barreiras realizadas
  • 3.650 veículos vistoriados
  • 137,98 mil quilômetros percorridos

Dados de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2022
Fonte: Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895