Mercado de carbono ao alcance dos pequenos

Mercado de carbono ao alcance dos pequenos

A Cooperativa Mista de Santa Bárbara do Sul, na região de Cruz Alta, desenvolve desde 2021 projeto que 
auxilia agricultores de menor porte a elaborar seus inventários de emissões de gases de efeito estufa

Por
Patrícia Feiten

Na cruzada contra o aquecimento global, a compensação de emissões de dióxido de carbono (CO2) deu destaque a um modelo de investimento que ajuda a preservar a natureza e promete renda extra a quem investe na agropecuária sustentável. Embora o mercado de créditos de carbono no Brasil ainda aguarde a regulamentação, o agronegócio gaúcho está atento às oportunidades abertas na modalidade voluntária desse segmento. Umas das iniciativas nessa direção é a Cooperativa Mista Santa Bárbara (Coomysa), localizada no município de Santa Bárbara do Sul. Criada em 2021, a associação busca reunir produtores com potencial para a oferta de ativos ambientais e ajudá-los a elaborar seus inventários de emissões – levantamentos que determinam as fontes de gases do efeito estufa nas propriedades rurais e a quantidade lançada na atmosfera.

Segundo o presidente da Coomysa, Paulo Roberto Bechert, o mote da cooperativa é possibilitar o acesso dos proprietários de terras de menor porte ao novo mercado, de forma que consigam chegar a um estoque de carbono suficiente para a negociação dos ativos em bolsa. “Em nossa região, como é relacionada à monocultura de soja, não existem muitas áreas verdes de uma única pessoa. A ideia foi unir diversos interessados, com pequenas ou grandes áreas, para ter um número significativo. A gente faz um inventário, identifica a quantidade que a pessoa tem de estoque de carbono disponível e coloca no mercado para as empresas ou quem quer buscar a neutralização das suas emissões”, explica Bechert.

Focada na pecuária de corte, a Fazenda Camaquã, no município de Bagé, foi o ponto de partida do projeto. Com 1,6 mil hectares de extensão, sendo 900 hectares de campo nativo, 600 hectares de mata preservada e 100 hectares de lajeado (afloramentos de rocha), a propriedade apresentou, no ano passado, um balanço positivo de 314.633,58 toneladas de CO2 equivalente. O número consta em certificado emitido pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que validou os métodos utilizados pela Coomysa na medição das emissões e da captura de dióxido de carbono no local. Para o produtor e sócio-proprietário da cooperativa Jorge Luiz Herter, que adquiriu a fazenda há duas décadas, esse resultado reflete investimentos em manejo sustentável, intensificados nos últimos cinco anos. “Tem como produzir sem agredir a natureza. A gente foi se informando e amadurecendo a ideia. O gado em equilíbrio com a natureza é o x da questão”, diz.

As práticas adotadas

Entre as práticas de baixo carbono da propriedade, Herter destaca a semeadura a lanço no plantio das forrageiras de inverno, como o azevém – os grãos são distribuídos por uma semeadeira acoplada ao trator, sem revolver a terra com arados ou grades, processo que libera grandes quantidades de CO2. O produtor adota também o pastejo rotacionado, no qual a área de pasto é dividida em 13 piquetes (ou invernadas) e os animais são transferidos de um espaço para outro. Além de melhorar a nutrição do rebanho, o sistema contribui para renovar as pastagens, garantindo a manutenção do solo saudável. 

Outra solução adotada foi a mistura de medicamentos homeopáticos ao sal mineral proteinado usado no controle do carrapato. Com a medida, a fazenda reduziu de 14 para quatro o número de banhos de imersão dos animais, concentrados no período de dezembro a abril. Além de menos estresse para os bovinos, que no passado demonstravam apatia após os procedimentos, a mudança diminuiu a carga de trabalho. “Para reunir todo o gado da fazenda, antes se levava dois, três dias, o que dá 42 dias no ano”, compara Herter. Com a venda dos créditos de carbono, ele pretende investir em melhorias na propriedade, entre as quais a instalação de painéis solares e a aplicação de adubos não químicos, como remineralizadores de solo, conhecidos como pó de rocha.

Para a oferta dos ativos ambientais, Bechert explica que a modalidade escolhida pela Coomysa foi a Cédula de Produto Rural Verde, a chamada CPR Verde, criada pelo governo federal por meio de decreto em 2021. Após o registro na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), o título é disponibilizado a investidores interessados em compensar suas emissões de gases de efeito estufa. Hoje, o crédito de carbono – equivalente a 1 tonelada de dióxido de carbono evitada ou removida da atmosfera – é negociado no mercado externo em torno de R$ 70, mas, segundo Bechert, a cooperativa deve partir de um patamar de R$ 35. “O Brasil não tem mercado regulado, não tem valor (de referência) estipulado, então estamos pensando num meio-termo. A pessoa que comprar vai ter margem para revender”, destaca Bechert.

Para o professor Jorge Farias, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e dos processos de inventário relacionados à mitigação de emissões, a geração de créditos de carbono sinaliza um mercado altamente promissor para os pequenos e médios produtores rurais. “É importante que a sociedade entenda a forma de entrar nesse mercado. Acredito que uma cooperativa é uma forma muito transparente, democrática e acessível”, avalia. Com dois biomas importantes, o Pampa e a Mata Atlântica, o Rio Grande do Sul tem um enorme potencial para utilização dos mecanismos de crédito de carbono em favor da conservação ambiental, acredita o professor. “Já estamos em tratativas com a Coomysa para que, nas próximas propriedades que venham a aderir ao programa, a universidade continue sendo a validadora desse processo”, conclui Farias. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895