Celular substitui carteira? Jovens explicam o que pensam sobre a mudança de hábito

Celular substitui carteira? Jovens explicam o que pensam sobre a mudança de hábito

Pesquisa mostra que o Brasil é o quarto país do mundo que mais usa recursos dos smartphones para realizar transações

Lucas Keske

Desenvolvimento da tecnologia e as mudanças geracionais trouxeram outros hábitos para a mesma finalidade

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Seja no bolso de trás da calça ou na bolsa, carregar uma carteira é a escolha considerada tradicional para acomodar de forma mais ou menos organizada cédulas, cartões, documentos e até mesmo itens supersticiosos. O desenvolvimento da tecnologia e as mudanças geracionais, no entanto, trouxaram outros hábitos para a mesma finalidade.

A publicitária Marília Guilhermano parou de usar carteiras porque acha “muito mais prático sair com um item só que abrange tudo”. O equipamento a que Marília se refere é seu celular, que ela revela ser o principal meio que usa para autenticar as transações que faz. “Costumava usar carteira quando ainda não era comum ter a tecnologia de aproximação nos celulares”, resume.

Ela está longe de ser a única, como mostra a pesquisa “The State of Consumer Banking & Payments Report: H2 2023”, realizada pela Morning Consult. O estudo mostra que sete em cada dez brasileiros usam as chamadas “carteira digitais”. Além disso, o país é o quarto na quantidade de pessoas que usam plataformas como Apple Pay, Carteira do Google, PayPal e semelhantes para realizar transações. O que estes e outros serviços têm em comum é que descartam a necessidade de cartões físicos, sem falar nas cédulas, sendo capazes de realizar todos os passos de uma compra por meio do celular. Mesmo bancos ‘tradicionais’ oferecem serviços semelhantes para seus clientes.

Marília nunca teve superstições ligadas à carteira, como carregar folhas de louro ou uma cédula de um dólar para ‘atrair dinheiro’, apenas costumava carregar fotos, o que tem ainda maior disponibilidade com o aparelho eletrônico. Já quanto aos documentos, ela opta pelo aplicativo da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), serviço oficial do Estado que serve para identificar um cidadão em diversas situações.

Mesmo com todas estas opções, tem quem não se desfaça da carteira. O estudante Leonnan Lessa, de 22 anos, carrega todos os dias uma carteira com cartões de banco, dólar da sorte, Cartão Tri, foto 3x4, chip de celular, cartões de fidelidade e cartão do SUS. Mesmo com todos estes itens na carteira, não deixa de usar as opções fornecidas pelo smartphone. “É engraçado, o pagamento pelo celular é o que eu mais uso. Mesmo assim, sempre tenho a carteira comigo. Posso ter tudo digital, mas vai que o celular estrague, vai que fique sem bateria, preciso ter os documentos comigo”, resumiu.

Mesmo que afeito ao hábito de levar a carteira consigo, o estudante acha desconfortável carregá-la no bolso da calça. “Como a carteira de identidade é maior que a carteira, levo ela fora em uma shoulder bag”, explica. “Não consigo me ver sem usar carteira hoje e nem daqui a um tempo, porque é algo que nunca pensei em não usar”, resume Leonnan.

Segundo o IBGE, ainda existem pelo menos 190 milhões de cartões de crédito em uso no Brasil. Estes números representam quase o dobro da população economicamente ativa que é de 107,4 milhões de pessoas. O índice mostra que diversos brasileiros ainda levam consigo cartões de crédito todos os dias, e se pode inferir que vários deles estão dentro de carteiras.

Muito mais que as finanças

A questão econômica é apenas um dos fatores que influencia o desuso das carteiras. Para o professor Hermílio Santos, Coordenador do Centro de Análises Econômicas e Sociais da PUC-RS, isso também passa por mudanças em diversos outros hábitos relacionados aos itens que costumam ser carregados nelas. Seja o uso de cartões de visitas ou mesmo de documentos físicos, Santos indica que seu desuso faz parte de um “processo de concentração de um equipamento multifuncional”. Segundo ele, o smartphone dá conta de muitos aspectos de nossas vidas, seja da vida social, privada ou financeira.

Mais que isso, o professor define o desuso das carteiras como "apenas uma faceta da característica do comportamento brasileiro de lidar de forma amigável com a tecnologia”.

“O brasileiro é receptivo a novidades tecnológicas e adota com facilidade diversas delas. Os sistemas bancário e eleitoral são um exemplo. Nenhum outro país tem sistemas bancário e eleitoral tão ágil quanto o nosso”, explica Santos.

O professor vislumbra que este tipo de mudança de hábito deve ser gradual, mas que dificilmente vai exterminar as carteiras dos bolsos brasileiros, especialmente porque “sempre vão haver nichos que vão se manter usando estes itens”. Ele exemplifica este tema com o caso de livros impressos, que perderam parte de seu espaço, mas que seguem sendo comercializados em quantidade relevante.

“Equipamentos digitais permitem ‘estar em vários lugares ao mesmo tempo’, ouvir música, ler, falar com as pessoas. Permite ‘desenraizar’ as pessoas de sua geografia”, ressalta Santos.

Por fim, o professor destaca que a centralização de recursos em um só equipamento pode ser interessante, mas que traz suas dificuldades. De acordo com ele, os celulares e o “consumo viciante de informações velozes” que eles permitem podem atrapalhar a atenção. “Com todas as possibilidades, as pessoas se tornaram muito mais desconcentradas. Conseguir a atenção delas é uma ‘batalha’”, ressalta.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895