Frutas de verão não escaparam do El Niño

Frutas de verão não escaparam do El Niño

Clima afetou plantio e desenvolvimento de frutas características da estação no Rio Grande do Sul, como a melancia, que teve a área semeada reduzida, o melão e o maracujá, que chegarão ao mercado com preços mais altos

Nereida Vergara

Produtor de maracuja em Osorio

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Uma das particularidades do Rio Grande do Sul, em especial no verão, é a fruticultura litorânea e o que ela representa para os consumidores gaúchos que habitam as praias do Litoral Norte e transitam pelas estradas que levam a elas e para os agricultores da região. A venda da tradicional melancia gaúcha na beira das rodovias, neste ano deve custar um pouco mais a acontecer, pois o cultivo não escapou dos problemas climáticos que afetaram tudo que nasce da terra.
A implantação da melancia começou tarde no Estado, em razão das chuvas intensas. Houve uma redução de 20% na área plantada, desta fruta (que na verdade é uma hortaliça) e do melão, ambas da família das cucurbitáceas. Temperaturas abaixo do normal durante a primavera também prejudicaram o desenvolvimento, porque tratam-se de plantas que precisam de insolação para desenvolver seu grau de doçura.

Com isso, alerta o extensionista rural da Emater/RS-Ascar Gervásio Paulus, além de uma menor quantidade de melancias e melões gaúchos, o preço ao consumidor deve chegar salgado. "Teremos cerca de 6,5 mil hectares de melancia e 600 hectares de melões. Ainda é difícil fazer uma estimativa da quantidade, mas como teremos pela frente pelo menos dois meses com bastante calor, acredito que a qualidade não será prejudicada", diz.

A melancia leva de 80 a 110 dias para ser colhida, o que costuma ocorrer a partir das primeiras semanas de janeiro. O plantio deve ser feito no final do inverno, dependendo da região, pois a espécie não suporta temperaturas muito baixas. "Neste ano de El Niño, classificado como forte, as condições para a fruta são de atraso em razão do excesso de chuva, mas, por outro lado, favoráveis pela chuva em abundância uma vez que a cultura praticamente não tem irrigação", acrescenta.

O extensionista lembra que no ano passado foram colhidas 145 mil toneladas de melancia no Rio Grande do Sul e 8,5 mil toneladas de melão. O último Informativo Conjuntural da Emater de 2023, divulgado no dia 28 de dezembro, apontou que a safra de melancia na Região Metropolitana está em andamento, mas com oferta abaixo da demanda e com a colocação no mercado de frutos que apresentam defeitos visíveis. O preço, indica o boletim, é de cerca de R$ 2,00 o quilo para melancias com calibre entre 8 e 10 quilos. Porém, a oferta não atende à demanda causada pela redução de área plantada. No ano passado, fortemente impactado pela estiagem, no mesmo período, a Emater/RS apurou preço do quilo ao produtor entre R$ 0,80 e R$ 1,10 para o produtor.

Paulus, por outro lado, destaca o caráter promissor da cultura do maracujá, também característico do litoral gaúcho, que deve se manter na safra de 2024, mesmo com leve redução de área, a qual costuma variar entre 5.750 e 7.240 hectares por ano.

No caso do abacaxi, que é uma cultura perene e basicamente concentrado na variedade terra de areia, o tempo não deve trazer prejuízo, já que os produtores fazem tratamento para a indução floral e antecipação da produção. “Com isso, mesmo que com prejuízos pontuais em razão de algumas doenças, o abacaxi, que seria colhido durante o mês de janeiro, foi colhido em dezembro, está com boa qualidade e muito doce”, completa.

Maracujá valorizado

Com o plantio prejudicado em razão do excesso de chuva e o desenvolvimento atrasado pela primavera muito fria, o maracujá deve ter uma safra menor, mas com preço considerado recorde pelo produtor Fabiano Martins da Silva, de Passinhos, distrito de Osório. Fabiano cultiva a “fruta da paixão” há 10 anos, mas há um ano e meio investiu numa área em Osório para ampliar a plantação. Tem um hectare semeado nesta safra, mas pretende aumentar para quatro hectares no ano que vem. "Plantamos geralmente em agosto, mas neste ano foi em outubro. As parreiras já deviam estar bem cheias, mas o desenvolvimento atrasou, um pouco pelo excesso de chuva”, esclareceu.

O produtor pretendia colher cerca de 20 quilos de maracujá plantado neste ano, mas admite que é possível que o volume seja menor. O cultivo da fruta exige paciência, depende da polinização mamangava, uma espécie de abelha grande, que chega a medir 3,6 cm. O inseto procura as flores do maracujá para beber o néctar, fazendo uma polinização positiva. A abelha comum, ao contrário, diz o produtor, prejudica as plantas pois faz uma espécie de varredura do pólen. “Para evitar que isso aconteça, fazemos armadilhas com calda de açúcar no entorno da plantação, para evitar que cheguem às flores”, explica.

Mas além da ajuda da mamangava, o agricultor faz a polinização manual e diária dos parreirais. Utilizando a ponta dos dedos, todo o final de tarde, poliniza flor por flor. Fabiano Martins Silva classifica sua produção em maracujá de primeiro, que vende aos mercados e feiras, e o maracujá de indústria, que processa na forma de sucos e polpa congelada na agroindústria Agrosório. O plano, segundo ele, é ampliar a produção de sucos, com laranja, acerola, butiá (recém plantados e que devem começar a produzir dentro de seis anos) e bergamotas.

Cultura da banana ainda sofre com prejuízos

Principal região produtora, Três Cachoeiras, no Litoral Norte, padece de problemas desde a ocorrência do ciclone bomba, em julho de 2020, e as enxurradas deste ano, que privam até o hoje município de uma ponte

O Rio Grande do Sul é um potencial produtor de bananas. No ano passado, segundo o extensionista da Emater/RS-Ascar Gervásio Paulus, o Estado produziu 152 mil toneladas de banana em 11,7 mil hectares de área plantada, principalmente em municípios do Litoral Norte, como Três Cachoeiras e Morrinhos, entre outros. “Neste ano, entretanto, existe uma previsão de queda de 25% na produção, e qualidade menor, em razão do excesso de chuva e baixa luminosidade”, relata Paulus.

No dia 30 de julho de 2020, um ciclone bomba que atingiu o Litoral e provocou prejuízos globais de mais de R$ 90 milhões à agropecuária do Estado, teve reflexos sobre a bananicultura. Depois dele, vieram dois anos de estiagem, e no ano passado, em julho novamente, enchentes causaram transtornos graves, entre eles a queda de pontes que ainda aguardam a restauração, como a que liga Três Cachoeiras à Caraá, na RS-494 (conforme o Daer em licitação para ser reconstruída).
“A questão é que no lugar da ponte foi feito um aterro para que possamos cruzar de Três Cachoeiras para Caraá e escoar a nossa produção. Se houver uma chuva muito forte, esse nivelamento não pode ser usado porque alaga e temos de fazer um desvio às vezes até por Praia Grande (município de Santa Catarina), com mais gasto de tempo e custo de combustível”, reclama Marcelo Vieira, produtor de bananas, açaí juçara, figo, goiaba e batata-doce e proprietário da Agroindústria Morro Azul, em Três Cachoeiras.

Marcelo tem cultivados em Morro Azul quatro hectares de banana, que lhe garantem anualmente cerca de 30 mil toneladas da fruta. Como seu sistema de produção é orgânico, ele utiliza o manejo agroflorestal para proteger seus pomares do vento e das enxurradas. “Em relação aos produtores que não estão no sistema agroecológico, as nossas perdas foram bem menores, por estamos sempre atentos aos eventos da natureza e de como podemos agir preventivamente”, ressalta. Mesmo assim, a enxurrada de julho de 2023 deixou seus rastros na propriedade com a queda de pelo menos 50 eucaliptos e o atraso na construção de um galpão para armazenamento de madeira que a família de Marcelo pretendia fazer.

O produtor acredita que a diversificação aplicada pelo sistema agroecológico também evita que toda a renda da propriedade fique concentrada em um único cultivo. “Quem produz pelo sistema tradicional e com exclusividade realmente teve mais impacto”, comenta. Vieira e a família trabalham também com o processamento das frutas e da batata-doce. “Fazemos chimias e chips com as frutas para aproveitar aquele excedente que não vai para as feiras agroecológicas que participamos”, completa.

Marcelo Vieira alerta também os problemas que os produtores de bananas podem ter com o excesso de umidade trazido pelo El Niño, com a ocorrência da doença chamada sigatoka. A praga, de acordo com a Embrapa, é uma das principais que atingem a bananeira, podendo causar perdas de até 50% na produção. “É uma doença muito preocupante mesmo e já vemos muitos agricultores vizinhos aplicando agrotóxicos. Aqui o tratamento que fazemos é com biodefensivos”, conclui.

Praga que a umidade pode trazer

Existem dois tipos de sigatoka, a amarela e a negra. A doença é conhecida também como cercosporiose. A variante amarela é causada pelo fungo Mycosphaerella musicola. Três elementos associados ao clima (chuva, orvalho e temperatura) são fundamentais para que ocorra a infecção, produção e disseminação do inóculo.

Na variante negra, problema é mais grave e mais temido. A doença foi constatada no Brasil em fevereiro de 1998, no estado do Amazonas. Hoje, está presente nos estados do Acre, Rondônia, Pará, Roraima, Amapá, Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais.

O fungo causador da sigatoka-negra é a Mycosphaerella fijiensis.O desenvolvimento de lesões e a disseminação do fungo são fortemente influenciados por fatores ambientais como umidade, temperatura e vento. Outras vias importantes na disseminação têm sido as folhas doentes utilizadas em barcos e/ou caminhões bananeiros, para proteção dos frutos durante o transporte, e as bananeiras infectadas levadas pelos rios.

Fonte: Embrapa


Correio do Povo
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