Falta de dados em laudo apresentado por Bolsonaro fere norma da Anvisa

Falta de dados em laudo apresentado por Bolsonaro fere norma da Anvisa

Outros dois documentos usaram nomes falsos, mas estão dentro das regulamentações

AE

Bolsonaro apresentou exames sem dados pessoais

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Um dos três exames de covid-19 apresentados pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) não possui CPF, RG, data de nascimento nem qualquer outra informação que vincule o laudo médico ao chefe do Executivo ou a qualquer outra pessoa. No papel da Fiocruz, atribuído pela Advocacia-Geral da União (AGU) a Bolsonaro, aparece apenas uma identificação de nome: “paciente 5”. O mesmo não ocorre nos outros dois laudos, feitos pelo laboratório Sabin. A prática fere norma da Anvisa.

Nos dois exames do Sabin, constam codinomes (Airton Guedes e Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz), mas esses documentos informam dados pessoais do presidente da República – a data de nascimento, RG e CPF são do próprio Bolsonaro. Segundo a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, a legislação “impõe a correta identificação do paciente no momento da coleta de amostra biológica e da entrega do laudo, inclusive com a apresentação de documento de identidade civil”. A resolução 302/2005 da Anvisa exige que o laboratório clínico e o posto de coleta laboratorial solicitem ao paciente documento que comprove a sua identificação. O cadastro do paciente deve incluir número de registro de identificação do paciente gerado pelo laboratório, o nome dele; idade, sexo e procedência, entre outras informações.

A resolução também exige que o laudo da análise mostre “nome e registro de identificação do cliente no laboratório”, além de identificação do responsável técnico pelo exame, profissional que liberou a análise, entre outros registros.

“O que pode se dizer é que, pelo documento sozinho, não há garantia que o laudo é ou não é do presidente”, avaliou o professor de proteção de dados pessoais Alexandre Pacheco da Silva, da FGV Direito São Paulo.
Silva aponta que a vinculação do laudo do “paciente 5” ao presidente Jair Bolsonaro é feita em um outro papel, um ofício assinado pelo coordenador de Saúde da Presidência, o urologista Guilherme Guimarães Wimmer. “O que é complicado é que neste caso a gente espera receber essa informação do laboratório, que é um terceiro não interessado, e não daqueles que estão no próprio governo”, disse o especialista da FGV.

Em documento enviado à Secretaria-Geral da Presidência, Wimmer informou que recebeu em 6 de maio o resultado da Fiocruz da coleta feita em 17 de março.

“Em razão do estado de emergência em saúde pública decorrente do coronavírus e considerando a grande repercussão pela mídia sobre o estado de saúde do sr. presidente da República, foram adotadas medidas de segurança em relação aos exames, com o intuito da preservação da imagem e privacidade do presidente da República”, escreveu o médico.

“Nesse sentido os dados pessoais do presidente da República foram preservados, e o exame foi enviado ao laboratório da Fiocruz na cidade do Rio de Janeiro identificado como Paciente 05”, acrescentou Wimmer. Procurado pela reportagem, o urologista não respondeu.

No documento da Fiocruz, o solicitante do exame é o Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen-DF), vinculado ao governo do DF.

Antes do ministro Ricardo Lewandowksi determinar a divulgação dos exames, a Fiocruz informou que “recebeu e processou amostras enviadas pelo Palácio do Planalto, de acordo com o método de RT-PCR em Tempo Real”. Segundo a instituição, o material enviado “não tinha identificação” e “não constava, portanto, o nome do presidente”.

Procurada, a Fiocruz informou que o documento “corresponde ao laudo emitido” e que “a amostra só recebeu identificação numérica, sem o nome do paciente”. Disse, ainda, que “o resultado foi emitido de acordo com as condições de recebimento do material biológico para análise”. A Fiocruz não justificou a razão de o documento não ter nenhuma informação do paciente.

A AGU entregou ao gabinete do ministro Ricardo Lewandowski um total de três exames, antecipando-se a uma decisão do magistrado na análise de um recurso do Estadão que pedia a divulgação dos laudos. Foram feitas duas remessas. O teste da Fiocruz foi o último a ser entregue ao Supremo, na manhã desta quarta-feira.


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