A força do regionalismo

A força do regionalismo

Seguirei assim, escrevendo todos os dias, dizendo o que tenho a dizer, ao lado dos desamparados, dos pisoteados pela história

Paulo Mendes

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Nesses últimos dias, meu povo e eu estivemos em festa. O lançamento de “Campereadas – Coração de pandorga”, na Feira do Livro de Porto Alegre, foi inesquecível, com a presença de queridos leitores, vários amigos e colegas. Mas, principalmente, foi uma demonstração de que o regionalismo está longe de se esgotar como gênero literário. Ao contrário, a coluna “Campereada” e suas esperadas coletâneas comprovam isso. Nossa gente adora o cheiro da terra, as imagens terrunhas que nossos avoengos deixaram em nossa memória. Gente que nunca viveu no campo vibra e compreende as histórias vividas ou criadas num passado já distante, mas que se metabolizam, se transformam e se revigoram, apresentando-se como atualíssimas, já que a realidade é sempre reinventada.

Muitos escribas açodados, doutores e exegetas afobados e críticos passarinheiros e gritões alardeavam até recentes dias que o regionalismo era uma carta fora do baralho. Que vivíamos tempos modernos, da máquina e da Internet, da globalização. Ariano Suassuna, Alceu Valença, Alcy Cheiuche e eu (só para citar alguns) provamos que tais afirmações estavam redondamente enganadas. Que essas aves de arribação deviam ir cantar e espalhar suas nefastas asas em outras freguesias. Não foram, seguem trinando baixinho em galhos pouco republicanos, mas, diante do incontestável, baixam a cabeça e armam seus próximos ataques, sempre intempestivos e lacaios. Quem não produz nada, quem não cria, se especializa em destruir.

Felizmente, nosso povo é sábio e sabe separar o joio do trigo. Por isso, “Campereada” é uma coluna apreciada e difundida, desde 2009, por todas as regiões do Estado, pelo Brasil inteiro. Chega também no Uruguai, na Argentina e é lida por brasileiros que moram nos Estados Unidos e na Europa. Uma coluna humilde e simples, pequena sem ser simplória, mas que aborda nossos hábitos e costumes sem floreios cetegianos, personagens reais e não mitificados, é calcada na memória, dá voz aos que sempre ficaram escanteados e à margem. É lida por velhos e jovens, por pobres, remediados e abastados, por campeiros e urbanos, por acadêmicos e empregados, por todos, indistintamente.

Por isso, nas filas de autógrafos estão médicos, vigias, professores, estudantes, pedreiros, campeiros, gaiteiros, aposentados, negros, brancos e índios. Tudo junto e misturado.

Só me resta agradecer o carinho que recebo. Agradecer a esta casa que me abriga desde 1990 e aos colegas que ajudam e incentivam. E dizer a todos que seguirei assim, sem empáfia, mas sem abaixar a crista, escrevendo todos os dias, dizendo o que tenho que dizer, ao lado dos desamparados, dos sem voz, dos pisoteados pela história. Creio que nasci e me criei para isto, olhar para essa gente que vive nos corredores sem fim lutando por um prato de comida, por um osso atirado para os cães. Não, eles precisam ser vistos, ouvidos e assistidos. São os verdadeiros gaúchos da atualidade, sem bombachas de favos e botas lustrosas, sem cavalos de pedigree, sem vestidos de grife. Mas eles têm tutano. O meu povo tem sangue nas veias. E ele é rubro e lateja nas veias. É esse sangue que nos ajudou a chegar aqui. O mesmo que ficou espalhado pelas coxilhas e coloreou o pano do tricolor estandarte do Rio Grande.


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