Um mate em Ilópolis

Um mate em Ilópolis

Um de meus primeiros presentes foi um conjunto de mate, uma chaleirinha de alumínio, uma cuia de madeira pequena, uma bomba de alpaca.

Paulo Mendes

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Na bomba do mate ficaram teus lábios/ E um gosto maduro de mel de mirim/ E se não mateio depois que partiste/ É que ando triste perdido de ti.

(Um mate por ti - A.S. Rillo e Vinícius Brum)

Neste domingo, 12 de novembro, estarei, a partir de 9h30min, em Ilópolis, no Vale do Taquari. Vou falar sobre regionalismo rio-grandense, literatura gauchesca, sobre o caso da coluna Campereadas e o livro Coração de Pandorga, recém-lançado. Como se trata do evento 11ª Turismate, devemos conversar também sobre a cultura da erva-mate e desse hábito que nos identifica mundo afora, o de tomar chimarrão.

Em uma viagem histórica ao Rio Grande do Sul, em 1821, o botânico francês Auguste de Saint Hilaire, escreveu: “O uso dessa bebida é geral aqui. Toma-se ao levantar da cama e, depois, várias vezes ao dia. A chaleira de água quente está sempre ao fogo e logo que um estranho entra em casa se lhe oferece o mate”. Registro do naturalista no livro “Viagem ao Rio Grande do Sul” - registros de viagem quando aqui esteve entre 1820 e 1821. “O uso é geral”, vejam que o francês já usava uma linguagem moderna. “A chaleira de água quente está sempre ao fogo”. Que maravilha e que depoimento bacana e importante.

Um de meus primeiros presentes foi um conjunto de mate: uma chaleirinha de alumínio, uma cuia de madeira pequena, uma bomba minúscula de alpaca, tudo sobre uma base ovalada de madeira verde. Funcionava perfeitamente. Fiz meu primeiro mate neste brinquedo que seu José Mendes comprou pra mim, de aniversário. Durante muito tempo, este conjunto me acompanhou. Ficava na velha cristaleira de dona Mirica, numa sala de visitas - que não recebia visitas -, porque tomamos o hábito de receber as pessoas na cozinha. Um dia, não o vi mais. Que fim deu? Alguém guardou, foi roubado ou se extraviou. Eu mesmo quase me extraviei pela vida, mas depois ‘garrei’ o rumo, e, hoje, estou aqui feliz e satisfeito.

Porém o gosto por chimarrear nunca mais me abandonou. Aprendi a cevar o mate pelas mãos da Mirica, a bolicheira e minha mãe. Ela tinha um jeito especial, só dela, nesse processo. Primeiro, secava bem a cuia de porongo. Depois, a enchia de erva, tipo um pouco mais de dois terços, e, com uma colher, empurrava para cima um montinho ou topete. Botava água morna e deixava cevar, enquanto íamos tirar o leite. Eu, guri, buscava as vacas, maneava, apojava, e a mãe ia ordenhando, enchendo os tarros. Eu, na lida, laçando terneiros, feliz, quase sempre assobiando uma marca do Teixeirinha ou do Gildo de Freitas.

Participar da 11ª Turismate, falar sobre regionalismo, a coluna Campereadas, meu trabalho e o novo livro será uma alegria. Desde já, agradeço aos organizadores pelo convite. Quero que o encontro seja proveitoso, que valha a pena explicar a gênese da gauchesca e a importância dos autores platinos. Quero destacar como devemos valorizar o fato de sermos diferentes, de termos um jeito próprio de falar, de sentir, de comer, de cantar, de escrever, de dançar e de expressar nossas emoções em meio à explosão da Internet e às cercas da globalização: armadilha que, ao invés de nos libertar, nos aprisiona na mangueira da solidão. Por isso, estou de malas prontas, porque para estar entre amigos, entre a gauchada buena da Querência, basta a vontade de se encontrar.


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