Brutalismo: conheça construções em Porto Alegre inspiradas no estilo arquitetônico icônico
Vertente ganhou destaque no filme “O Brutalista”, premiado no Oscar em três categorias

O estilo arquitetônico “brutalismo” escapou dos livros teóricos acadêmicos e virou destaque nas telas do cinema depois de ser retratado no filme “O Brutalista”, vencedor do Globo de Ouro de 2025 na categoria Drama. O longa-metragem levou três estatuetas no Oscar 2025.
O brutalismo surge no pós-guerra como uma vertente da arquitetura moderna, mas como uma produção que abandonava alguns dos seus fundamentos. Sua origem está atrelada ao arquiteto franco-suíço Le Corbusier, autor da Unidade de Habitação de Marselha (1947-1952): obra inaugural que estabeleceu destaca a “honestidade dos materiais”, ou seja, o uso dos materiais sem revestimento, e a estrutura assumindo o protagonismo na geração da obra.
Portanto, o brutalismo é mais do que a decisão de deixar os materiais expostos, sendo a importância da estrutura na concepção formal da obra brutalista a distinção crucial, como adverte o Arquiteto Luis Henrique Luccas, professor titular da UFRGS. "Não se trata apenas de utilizar o concreto aparente como um revestimento, mas sim de uma arquitetura onde a estrutura – de concreto armado no caso – define a forma e a expressão do projeto", conclui.
Luccas esclarece que também foram constituídas obras brutalistas com estruturas de aço, e até com paredes portantes. Entretanto, a ideia do concreto aparente, o béton brut (concreto exposto que mostra as texturas impressas durante o processo de fôrma), é central para o nascimento do “estilo”, representando uma estética crua e funcional. Ou seja, a figuratividade e o aspecto superficial das obras têm mais apelo que sua essência. Também merecem menção os países do leste europeu, que apresentaram versões criativas de brutalismo, acentuando a expressividade das obras.
Os ventos deste movimento sopraram no Brasil, sendo o exemplo emblemático dessa abordagem o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo – FAUUSP (1961-1969), de João Batista Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi. A edificação tem um grande prisma horizontal suspenso sobre pilares singulares, constituindo um expoente do que se convencionou como "brutalismo paulista". Essa escola arquitetônica foi liderada por Vilanova Artigas e do referencial de jovens como Paulo Mendes da Rocha e Carlos Milan, que estabeleceram esquemas canônicos adotados por inúmeros profissionais. O precedente da sede do MASP (1957-1968), projetado por Lina Bo Bardi com 74 metros de vão livre, foi exemplar para a experiência paulista.
Existe brutalismo no Rio Grande do Sul?
Não houve uma "escola gaúcha" de arquitetura, muito menos um "brutalismo gaúcho" no século XX, assegura o professor. No entanto, Porto Alegre e outras cidades gaúchas sofreram a influência daquele que se tornou “uma espécie de ‘padrão culto’ no país, dividindo espaço com a arquitetura sintética simplificada como Estilo Internacional”, a partir dos anos 1960.
A influência em Porto Alegre, aponta o professor, foi menor que a esperada, especialmente na fase inicial, como mostra o conjunto de casos mais significativos selecionados. São percebidas claramente fontes originais – como Le Corbusier e Mies – sobre alguns dos projetos que flertavam com aquela linhagem arquitetônica, entre outros referenciais detectáveis; e “contribuições autorais transmitindo singularidade às obras”.
“O brutalismo também teve influência no sul do Brasil, embora de forma mais tímida e não hegemônica”. A análise consta no artigo “A Arquitetura de Linhagem Brutalista em Porto Alegre nos Anos 60/70”, escrito para os Cadernos PROARQ do Programa de Pós‑graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/ UFRJ, escrito por Luis em 2015. Segundo Luís, diversas influências brutalistas podem ser vistas em estruturas erguidas na capital gaúcha. Contudo, com o tempo e devido a reformas e outras intervenções, alguns dos projetos iniciais estão descaracterizados.
📍Igreja no Centro foi percursora
Em Porto Alegre, o concreto à mostra seria proposto de modo precursor na execução do Centro Evangélico, resultante de um concurso nacional de projetos realizado em 1959, destaca o artigo se referindo à Igreja na rua Senhor dos Passos, número 202.
O edifício conta com “um grande painel em concreto aparente, material que se estendeu pela platibanda, pilares exoestruturais, galeria exterior coberta, interior da igreja e o campanário escultórico no pátio, configurando um conjunto onde ecoam influências de La Tourette (1953)”.
📍Hospital Presidente Vargas
Depois da Igreja, novas influências brutalistas demoraram a serem implementadas na cidade. Segundo o arquiteto Luccas, obras como o Hospital Presidente Vargas (1966), de David Léo Bondar e Iveton Porto Torres, valorizam a estrutura e aplicação do concreto aparente como protagonista. “A composição volumétrica e das fachadas recebeu a regência da estrutura aparente, com quatro intercolúnios, ao que se aliaram os dois volumes semelhantes das extremidades, onde se concentraram as circulações verticais e os sanitários”, lembra.
📍Agências bancárias brutalistas
Nos anos 70, instituições financeiras paulistas adotaram a icônica arquitetura brutalista, como o Banespa. A representação também ocorreu em cidades gaúchas, como Porto Alegre. Segundo Luccas, alguns exemplos célebres são as agências da Caixa Econômica Federal na rua José do Patrocínio, em Porto Alegre, e da avenida Barão do Rio Branco, em Torres, no Litoral Norte Gaúcho. Os prédios foram construídos em 1973 e 1976, respectivamente.
Ambas foram executadas pelo arquiteto Jorge Decken Debiagi, e trazem consigo o conceito dos 4 pontos de apoio e uma laje em balanço, ou seja, sem nenhuma outra sustentação. Tais apoios se tratam de pilares de concreto aparente que sustentam toda a laje.
Outra agência que se destaca é a localizada na Avenida Independência, em Porto Alegre, de autoria dos arquitetos Dorfman e Buchholz. “O lote entre medianeiras foi coberto por uma laje nervurada entre as divisas, criando um hangar com três pisos; configuração aceitável como versão pragmática do “grande abrigo”. As duas empenas extensas foram tratadas internamente com motivos geométricos, estabelecendo uma relação de valorização mútua com o átrio da metade frontal.”
📍A grande obra não concluída: o CAFF
O Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul foi, segundo Luccas, uma grande obra que buscou aproveitar a “solução estrutural em concreto aparente”. De autoria de Charles René Hugaud, Leopoldo Constanzo, Luís Carlos Machi da Silva e Ivânio Fontoura, hoje é conhecido como Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF).
O projeto inicial contava com três grandes edifícios acoplados: um bloco vertical destinado às Secretarias; uma Plataforma Central acumulando funções de estacionamento, ingresso e atendimento ao público; e o Palácio dos Despachos do Governador, não construído.
A torre das Secretarias de Estado associou dois blocos laminares compartilhando a circulação vertical como “siameses”. O uso do concreto e a forma curvilínea visavam dar flexibilidade de tamanhos das lajes ao programa, mas resultaram em problemas estruturais. A altura do prédio foi reduzida de 32 para 21 pavimentos, suprimindo o trecho posterior à curvatura. Uma Plataforma Central, projetada como um grande saguão, acabou sendo modificada, com seu uso alterado e a supressão de elementos como rampas e painéis curvos.
A Plataforma de Atendimento ao Público ficou inacabada, tendo a proposta original profundamente modificada, terminando por acomodar poucas características brutalistas destacáveis no contexto.
Já o projeto do Palácio dos Despachos do Governador, inspirado diretamente em obras presentes em Brasília, exibiria características brutalistas, mas acabou não avançando. “A composição lembra imediatamente o Palácio do Planalto, de Niemeyer: do mesmo modo que as colunas líricas deste suspendem o volume e apoiam a cobertura plana”, aponta Luís.
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