Tédio: até que ponto a emoção é normal e quando ela se torna perigosa

Tédio: até que ponto a emoção é normal e quando ela se torna perigosa

Sentimento é retratado no filme "Divertidamente 2"

Lucas Eliel

Em "Divertidamente 2", a Tédio está sempre com um celular nas mãos

O filme “Divertidamente 2 foi lançado recentemente e tem quebrado recordes de bilheteria. A sequência da animação traz novas emoções: Ansiedade, Vergonha, Inveja e Tédio. Elas se juntam às já conhecidas Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho. Na produção, a personagem caracterizada pelo tédio chama atenção pela apatia e o seu papel de atenuar as sensações da protagonista Riley, que se encontra diversas vezes ansiosa.

O design da personagem e a forma como ela se comporta são bem pensados para representar a sensação de "tô nem aí". A Tédio procura se movimentar o mínimo possível. Ao contrário das outras emoções dispostas ao redor do painel de controle, ela acessa o mecanismo por meio de um celular, sem precisar se levantar.

Enquanto as outras emoções ficam agitadas pelos acontecimentos na vida de Riley, a Tédio parece viver em um mundo paralelo, sem pressa. O tédio é definido pela psicóloga Luciana Fossi como um estado generalizado de desinteresse. “O tédio acontece após um rebaixamento de energia, onde não há nada no mundo externo e interno que faça a pessoa se movimentar em algum tipo de atividade. Ele pode se caracterizar como uma sensação de vazio", destaca.

Tédio precisa ser sentido em determinados momentos

O tédio, segundo a psicóloga, atinge principalmente os adolescentes. Isto acontece porque esta fase é repleta de dúvidas envolvendo quem você era no passado e o que será daqui para frente. "O adolescente precisa abdicar de ser criança para se encaminhar ao desenvolvimento da vida adulta. Então, aquele menino que gostava muito de colecionar figurinhas já acha isso muito bobo, pois o padrão imposto pela sociedade diz que isso não é mais permitido", exemplifica.

Mas a questão é: se você não gosta mais de colecionar figurinhas, o que vai gostar agora? "O tédio vem acompanhado também desse questionamento interno. Então, essa sensação de vazio precisa ser experimentada, pois a gente não pode preencher todos os espaços da nossa vida o tempo todo", salienta.

Não é à toa que a Tédio carrega consigo um celular. Os aparelhos trazem muitas facilidades, mas ocupam por vezes mais espaços do que deveriam na vida da população. Para a psicóloga, o uso excessivo de telas atrapalha a jornada do autoconhecimento provocada pelo tédio. "O exagero de telas faz com que não haja espaço para os questionamentos existenciais sobre quem você é e quais as coisas que curte. Além disso, as redes sociais trazem modelos inatingíveis de vida, contribuindo para a sensação de vazio", pontua.

Veja Também

Cultura da produtividade o tempo todo

A vida é repleta de demandas. Além das questões envolvendo carreira profissional, há as tarefas pessoais do dia a dia. O sentimento de estar a todo momento tendo que fazer algo é inclusive prejudicial nos momentos de lazer. Neste contexto, momentos projetados para relaxar acabam virando também um dever.

Um exemplo é quando você começa a assistir uma série e se sente na obrigação de terminar a temporada o quanto antes, afinal começou algo e tem a “obrigação” de terminar, senão o tempo investido foi “perdido”. "Parece que nós estamos competindo com nós mesmos sobre quem termina um seriado mais rápido ou quem atinge primeiro uma pontuação num jogo. Os nossos hobbies acabam sendo capitalizados e nós precisamos compreender o lazer além da lógica da produção", explica a especialista.

Personagem Tédio, de "Divertidamente 2" Personagem Tédio, de "Divertidamente 2" | Foto: Pixar / Divulgação / CP

Como evitar o tédio e quando ele se torna prejudicial

Para a psicóloga Luciana Fossi, evitar o tédio consiste em fazer um levantamento sobre quais são as suas áreas de interesse. "É importante nós mapearmos as atividades que queremos fazer, mas não de forma produtiva, e sim, sistemática. Temos que tomar conta do nosso momento de lazer como um reencontro conosco e não como uma coisa que nós precisamos postar nas redes sociais", adverte.

O mapeamento das zonas de interesse pode incluir algo que te interessava no passado e ficou de lado conforme o tempo foi passando. "Escuto de muitas pessoas dizendo que gostavam de ler livros e ir ao cinema, mas não realizam mais essas atividades", afirma.

O tédio se torna perigoso quando é excessivo. O sinal de alerta nos adolescentes, por exemplo, ocorre quando eles parecem não ter nenhum interesse e acabam se isolando. "Quando a pessoa não quer nenhuma interação social é preocupante, pois a adolescência é a época da construção da identidade e ela prescinde de uma sociabilidade", analisa.

Se você sente que está entediado demais, é importante a busca de ajuda profissional para ver o que pode estar ocasionando o problema e quais ferramentas podem ser utilizadas a fim de resolver a questão. "Após a pandemia de Covid-19, nós temos muitas oportunidades de acesso a psicólogos, psiquiatras e demais profissionais da saúde. O atendimento on-line se popularizou bastante e trouxe a possibilidade de num curto espaço de tempo você conseguir ter uma consulta", esclarece.


Mais Lidas

    Correio do Povo
    DESDE 1º DE OUTUBRO 1895